Por Adson Kepler*
Esta breve opinião busca
demonstrar a importância dos paradigmas[1] e da construção progressiva
de consensos no aperfeiçoamento ou na quebra deles. Isso dentro do atual
cenário mundial de crises econômicas, conflitos políticos e rupturas
epistemológicas, para a construção de políticas públicas. Quando aqui falamos
de rupturas epistemológicas leia-se o sentido dado tanto por Foucault como por Kuhn.
Na construção de propostas
de diretrizes norteadoras de qualquer política pública, bem como sua gestão e
avaliação pelo governante e pela comunidade frequentemente caímos nas
armadilhas dos dogmas ideológicos de vários espectros da política tradicional.
O processo de superação desses dogmas da modernidade será demorado e complexo,
mas é extremamente necessário. Não se trata aqui do discurso do senso comum de
uma neutralidade impossível, ficcional e inexistente em qualquer parte. O
crescimento nos últimos anos do libertarismo de esquerda e de direita comprova
o desejo coletivo de superação dos erros políticos do passado, mas conscientes
da inexistência da neutralidade tão propalada pelo senso comum das
manifestações de insatisfação política. A adversidade a ser superada é a
adversidade dogmática, não a diversidade do pluralismo político de ideias.
Longe das afirmações de
moralismo seletivo, do denuncismo abúlico ou irrefletido de qualquer viés
político, percebe-se que um dos mais difíceis dogmas a serem superados é o do
pragmatismo ético que diz que “os fins justificam os meios” e é um dos
principais causadores da corrupção política nos países desenvolvidos e também
nos países de industrialização tardia, a exemplo do Brasil, onde, por vezes, só
a ausência de acesso a educação de qualidade não são os motivos determinantes
desse mal social. Não são poucos os corruptores e corrompidos de alta
qualificação profissional e educacional.
Não se fazem leis e
políticas públicas sem diretrizes de pensamento e é preciso construir, através
do consenso progressivo, o pensamento mais adequado a sustentabilidade da
sociedade em seu meio ambiente. Essa tarefa não é fácil, mas é possível. Vejamos com bons olhos a ação
direta e coletiva de cidadãos em busca da construção dessa nova forma de se
lidar com a política, rejeitando-se a atual cartelização dos partidos, dos
espaços de poder e de seus instrumentos de financiamento. Rejeitando-se, na
mesma esteira, a deturpação dos fins dos sindicatos, outrora voltados para os
trabalhadores e para mudanças efetivas. Por fim, resgatando a importância dos
movimentos sociais e rejeitando qualquer tentativa de imposição de um
pensamento único contra a própria liberdade de se pensar.
No livro “Uma Questão de
Princípio” o jusfilósofo Ronald Dworkin defende uma sociedade que encoraja cada
indivíduo a supor que suas relações com outros cidadãos e com o governo são
questões de justiça e o encoraja, assim como a seus concidadãos, a discutir
como comunidade o que a justiça exige que sejam essas relações. Para o autor a
democracia e o Estado de Direito não são conflitantes. Esses dois importantes
valores políticos estão enraizados em um ideal mais fundamental, o de que
qualquer governo aceitável deve tratar as pessoas como iguais. O Estado de
Direito, na concepção de Dworkin, enriquece a democracia ao acrescentar um
fórum independente, um fórum do princípio, e isso é importante, não apenas
porque a justiça pode ser feita ali, mas porque o fórum confirma que a justiça
é uma questão de direito individual, não, isoladamente, uma questão do bem
público. Dworkin defende uma teoria liberal abrangente (para outros,
alternativa) onde a liberdade, igualdade e comunidade fazem parte de um único
ideal político, daí o respeito ao pluralismo presente numa sociedade
democrática.
A ênfase que Dwokin dá a igualdade é, na nossa visão,
incompatível com qualquer tipo de "libertarismo" que enfatize somente a liberdade
individual. A ênfase exclusiva na liberdade individual é um retrocesso do ponto
de vista das três dimensões sócio-políticas da Revolução Francesa (liberdade,
igualdade e fraternidade). Porém, percebe-se que até hoje não se conseguiu
equilibrar essas três dimensões na França ou em qualquer parte do Mundo. O
crescimento do libertarismo, tanto de esquerda como de direita é um avanço do
ponto de vista da superação de dogmas cansados e de vestes gastas pelo uso e
desuso.
Nada impede, na construção
de uma nova visão política, se buscar uma síntese entre o pensamento liberal de
Dworkin e de outros autores de variadas matizes (marxistas, pós-marxistas,
weberianos, etc.). A nova esquerda tem se inspirado muito na análise crítica e
construções do cientista político espanhol Juan Monedero, mas ainda está em
processo de construção. Não há um norte definido para resgatar a legítima
utopia, mas ela está latente em todos nós.
Se o pensamento de esquerda
significa estar desde a Revolução Francesa do lado esquerdo das assembléias, defendendo os interesses dos excluídos em conflito com os interesses dos que
estão no andar de cima (à direita das assembléias), é preferível esse pensamento
como diretriz, como norte, mas o problema é que ele não pode ser jamais
considerado único nem infalível. Deve estar em constate processo de construção
e adaptação como qualquer "ciência", porquanto a capacidade de adaptação e
melhoria é uma característica que liga qualquer software de computador a
qualquer sistema social.
Também não se trata de
resgatar o social-liberalismo de Bobbio ou algo que se convencionou chamar
neoliberalismo. Busca-se o que realmente será moderno quando superado o
anacronismo da atual modernidade. Não se pode confiar em soluções pensadas
exclusivamente em gabinetes ou salas de aula. Qual nome daremos a nova visão?
Não é fácil nem prudente rotular a ação direta e horizontal do povo reunido
para encontrar a solução de seus verdadeiros problemas, ao invés de esperar a
solução de seus governantes.
Para se construir políticas
públicas realmente modernas e eficazes não bastam equipamentos tecnológicos,
tecnologia de informação, técnico dos processos de gestão, etc. É preciso
também construir os processos democráticos de decisão e participação. Construir
os fluxos da democracia com a mediação, conforme nos ensina Habermas, do
direito e de seus sistemas de aplicação da lei.
A necessidade de mediação do
direito reconhecida por Habermas depois dos anos 90 é imprescindível para a estabilidade do processo de transformação social com o mínimo de
respeito a direitos fundamentais como a vida, a liberdade de expressão e de
imprensa, o devido processo legal, dentre outros direitos considerados
universais.
As políticas públicas são os
instrumentos capazes de mudar para melhor a vida das pessoas e estabelecer o
bem-viver pretendido por todos. Já há consenso sobre isso na maioria das
democracias. Porém, elas precisam de um rumo dado pela sociedade, pelas pessoas
que realmente precisam ser beneficiadas e não exclusivamente pelas agências
multilaterais. Vivemos em tempos difíceis onde sobra crise e falta democracia
onde o povo realmente decida.
* Especialista em Ética, profissional de Segurança Pública no RN e colaborador da RAiZ POTiGUAR.
[1] Thomas Kuhn é um físico célebre por suas contribuições à
história e filosofia da ciência em especial do processo que leva à evolução do desenvolvimento
científico, designou como paradigmáticas as realizações científicas que geram
modelos que, por períodos mais ou menos longos e de modo mais ou menos
explícito, orientam o desenvolvimento posterior das pesquisas exclusivamente na
busca da solução para os problemas por elas suscitados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário