segunda-feira, 6 de junho de 2016

CONSENSO PROGRESSIVO, POLÍTICAS PÚBLICAS E NOVOS IDEAIS DE JUSTIÇA

Por Adson Kepler*

Esta breve opinião busca demonstrar a importância dos paradigmas[1] e da construção progressiva de consensos no aperfeiçoamento ou na quebra deles. Isso dentro do atual cenário mundial de crises econômicas, conflitos políticos e rupturas epistemológicas, para a construção de políticas públicas. Quando aqui falamos de rupturas epistemológicas leia-se o sentido dado tanto por Foucault como por Kuhn.

Na construção de propostas de diretrizes norteadoras de qualquer política pública, bem como sua gestão e avaliação pelo governante e pela comunidade frequentemente caímos nas armadilhas dos dogmas ideológicos de vários espectros da política tradicional. O processo de superação desses dogmas da modernidade será demorado e complexo, mas é extremamente necessário. Não se trata aqui do discurso do senso comum de uma neutralidade impossível, ficcional e inexistente em qualquer parte. O crescimento nos últimos anos do libertarismo de esquerda e de direita comprova o desejo coletivo de superação dos erros políticos do passado, mas conscientes da inexistência da neutralidade tão propalada pelo senso comum das manifestações de insatisfação política. A adversidade a ser superada é a adversidade dogmática, não a diversidade do pluralismo político de ideias.

Longe das afirmações de moralismo seletivo, do denuncismo abúlico ou irrefletido de qualquer viés político, percebe-se que um dos mais difíceis dogmas a serem superados é o do pragmatismo ético que diz que “os fins justificam os meios” e é um dos principais causadores da corrupção política nos países desenvolvidos e também nos países de industrialização tardia, a exemplo do Brasil, onde, por vezes, só a ausência de acesso a educação de qualidade não são os motivos determinantes desse mal social. Não são poucos os corruptores e corrompidos de alta qualificação profissional e educacional.

Não se fazem leis e políticas públicas sem diretrizes de pensamento e é preciso construir, através do consenso progressivo, o pensamento mais adequado a sustentabilidade da sociedade em seu meio ambiente. Essa tarefa não é fácil, mas é possível. Vejamos com bons olhos a ação direta e coletiva de cidadãos em busca da construção dessa nova forma de se lidar com a política, rejeitando-se a atual cartelização dos partidos, dos espaços de poder e de seus instrumentos de financiamento. Rejeitando-se, na mesma esteira, a deturpação dos fins dos sindicatos, outrora voltados para os trabalhadores e para mudanças efetivas. Por fim, resgatando a importância dos movimentos sociais e rejeitando qualquer tentativa de imposição de um pensamento único contra a própria liberdade de se pensar.



No livro “Uma Questão de Princípio” o jusfilósofo Ronald Dworkin defende uma sociedade que encoraja cada indivíduo a supor que suas relações com outros cidadãos e com o governo são questões de justiça e o encoraja, assim como a seus concidadãos, a discutir como comunidade o que a justiça exige que sejam essas relações. Para o autor a democracia e o Estado de Direito não são conflitantes. Esses dois importantes valores políticos estão enraizados em um ideal mais fundamental, o de que qualquer governo aceitável deve tratar as pessoas como iguais. O Estado de Direito, na concepção de Dworkin, enriquece a democracia ao acrescentar um fórum independente, um fórum do princípio, e isso é importante, não apenas porque a justiça pode ser feita ali, mas porque o fórum confirma que a justiça é uma questão de direito individual, não, isoladamente, uma questão do bem público. Dworkin defende uma teoria liberal abrangente (para outros, alternativa) onde a liberdade, igualdade e comunidade fazem parte de um único ideal político, daí o respeito ao pluralismo presente numa sociedade democrática.

  A ênfase que Dwokin dá a igualdade é, na nossa visão, incompatível com qualquer tipo de "libertarismo" que enfatize somente a liberdade individual. A ênfase exclusiva na liberdade individual é um retrocesso do ponto de vista das três dimensões sócio-políticas da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade). Porém, percebe-se que até hoje não se conseguiu equilibrar essas três dimensões na França ou em qualquer parte do Mundo. O crescimento do libertarismo, tanto de esquerda como de direita é um avanço do ponto de vista da superação de dogmas cansados e de vestes gastas pelo uso e desuso.

Nada impede, na construção de uma nova visão política, se buscar uma síntese entre o pensamento liberal de Dworkin e de outros autores de variadas matizes (marxistas, pós-marxistas, weberianos, etc.). A nova esquerda tem se inspirado muito na análise crítica e construções do cientista político espanhol Juan Monedero, mas ainda está em processo de construção. Não há um norte definido para resgatar a legítima utopia, mas ela está latente em todos nós.

Se o pensamento de esquerda significa estar desde a Revolução Francesa do lado esquerdo das assembléias, defendendo os interesses dos excluídos em conflito com os interesses dos que estão no andar de cima (à direita das assembléias), é preferível esse pensamento como diretriz, como norte, mas o problema é que ele não pode ser jamais considerado único nem infalível. Deve estar em constate processo de construção e adaptação como qualquer "ciência", porquanto a capacidade de adaptação e melhoria é uma característica que liga qualquer software de computador a qualquer sistema social.

Também não se trata de resgatar o social-liberalismo de Bobbio ou algo que se convencionou chamar neoliberalismo. Busca-se o que realmente será moderno quando superado o anacronismo da atual modernidade. Não se pode confiar em soluções pensadas exclusivamente em gabinetes ou salas de aula. Qual nome daremos a nova visão? Não é fácil nem prudente rotular a ação direta e horizontal do povo reunido para encontrar a solução de seus verdadeiros problemas, ao invés de esperar a solução de seus governantes.

Para se construir políticas públicas realmente modernas e eficazes não bastam equipamentos tecnológicos, tecnologia de informação, técnico dos processos de gestão, etc. É preciso também construir os processos democráticos de decisão e participação. Construir os fluxos da democracia com a mediação, conforme nos ensina Habermas, do direito e de seus sistemas de aplicação da lei.

A necessidade de mediação do direito reconhecida por Habermas depois dos anos 90 é imprescindível para a estabilidade do processo de transformação social com o mínimo de respeito a direitos fundamentais como a vida, a liberdade de expressão e de imprensa, o devido processo legal, dentre outros direitos considerados universais.

As políticas públicas são os instrumentos capazes de mudar para melhor a vida das pessoas e estabelecer o bem-viver pretendido por todos. Já há consenso sobre isso na maioria das democracias. Porém, elas precisam de um rumo dado pela sociedade, pelas pessoas que realmente precisam ser beneficiadas e não exclusivamente pelas agências multilaterais. Vivemos em tempos difíceis onde sobra crise e falta democracia onde o povo realmente decida.

* Especialista em Ética, profissional de Segurança Pública no RN e colaborador da RAiZ POTiGUAR. 


[1] Thomas Kuhn é um físico célebre por suas contribuições à história e filosofia da ciência em especial do processo que leva à evolução do desenvolvimento científico, designou como paradigmáticas as realizações científicas que geram modelos que, por períodos mais ou menos longos e de modo mais ou menos explícito, orientam o desenvolvimento posterior das pesquisas exclusivamente na busca da solução para os problemas por elas suscitados.

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