quinta-feira, 19 de maio de 2016

A IMPORTÂNCIA GEOPOLÍTICA DO MINISTÉRIO DA CULTURA


Na França, o ideal de democratização da cultura nasceu da aspiração à afirmação republicana do princípio de igualdade entre os cidadãos. Foi esse mesmo ideal de democratização da cultura que constituiu a principal fonte de justificação e legitimidade da existência de políticas culturais na França. De fato, o grau de democratização da cultura tornou-se o principal referente de julgamento e avaliação das políticas culturais. E desde a década de 1950, a evolução das práticas culturais tornou-se assunto de interesse de Estado na França, resultando no financiamento público de sondagens longitudinais sobre as práticas culturais dos franceses. 

Na Alemanha, também, a relação entre Cultura e Política foi tratada como uma questão de projeto de Nação. Os alemães enxergavam na valorização da sua história cultural a fonte de sua autolegitimação e justificação de seu orgulho como Cultura Nacional. Segmentos letrados da classe média alemã do século XVIII compreendiam o florescimento da literatura, das artes e da filosofia como um modo de se construir e se perceber como nação singular e culturalmente autêntica.

Posto isso, é lamentável o modo como alguns tem justificado o fim do Ministério da Cultura no Brasil. Defendem que o MinC servia apenas para fornecer dinheiro aos artistas e produtores culturais. Uma interpretação completamente distorcida e ignorante sobre o papel das políticas culturais no Brasil.

A gestão de Juca Ferreira no MinC, com todas as dificuldades financeiras, representava um avanço, principalmente pelo trabalho de inventário e visibilidade nacional da diversidade de coletivos culturais e das práticas culturais de diferentes comunidades populares e tradicionais. Se tratava de uma política cultural que, no futuro próximo, possibilitaria mudanças no sentido de refazer e atualizar nossa autocompreensão de quem nós somos como "brasileiros". 

Esse papel de construção e atualização da identidade nacional não pode ser feito pelos dispositivos de mercado, pois sua lógica é de curto prazo. E descobrir e explorar novas potencialidades de uma cultura demanda muito tempo e demanda um princípio de simetria estranho ao modo de produção e circulação monetária da cultura. 

A visibilidade nacional da diversidade cultural é fundamental para qualquer Estado-Nação, pois permite constituir um patrimônio de práticas, valores e crenças que podem oferecer um rico potencial semântico de inovação civilizatória. O Brasil tem uma riqueza cultural que é geopoliticamente estratégica em relação ao restante do mundo e não pode mais negligenciá-la como fez no passado. Qualquer projeto de Nação envolve a construção permanente atualização de uma identidade nacional imaginada. E a existência de uma política cultural nacional é pré-requisito para isso.  




sábado, 14 de maio de 2016

OS RISCOS CIVILIZATÓRIOS DA FLEXIBILIZAÇÃO E TERCEIRIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL

No Brasil, conforme literatura especializada, a precariedade do trabalho sempre fez parte da rotina de vida de milhares de trabalhadores das classes populares (mudança de empregos ao longo da trajetória de vida, salários baixos e relações de exploração da força de trabalho). Condições precárias nos mercados de trabalho que deixam feridas e marcas significativas na estrutura de personalidade das trabalhadoras e trabalhadores. Além da condição de vulnerabilidade e insegurança no emprego, também é comum a dificuldade de se constituir um “sentido de narrativa biográfica” coerente, somente possível em circunstâncias em que somos capazes de nos projetar no futuro, isto é, de se imaginar em determinado “lugar” depois de 30 anos de trabalho. Com a eliminação da experiência da rotina no trabalho, consequência da crescente flexibilização, se torna mais difícil a articulação de uma narrativa biográfica e, com efeito, se cria um contexto institucional gerador e ativador de sentimentos de insegurança, baixa autoestima, desconfiança e má consciência.

Como se sabe, uma das faces da precariedade das relações de trabalho é a terceirização. E são muitos os efeitos negativos da terceirização na vida das trabalhadoras e trabalhadores. Além de gerar um contexto objetivo de vulnerabilidade e alta rotatividade no emprego, como já assinalado, também resultam na ampliação da experiência de perda de sentido de narrativa. Pelo menos é isso o que tem demonstrado muitas pesquisas empíricas desenvolvidas sobre as consequências emocionais do processo de crescente flexibilização das relações de trabalho.

Nos EUA, por exemplo, os trabalhos desenvolvidos pelo sociólogo Richard Sennett tem apresentado uma radiografia sombria das experiências pessoais de trabalhadores e trabalhadoras que vivenciaram as transformações na organização interna do trabalho desde os anos 80 do século XX. Além da dificuldade de constituir uma narrativa de vida, também a impossibilidade de estabelecer relações de confiança no contexto do trabalho, fragilidade dos laços de compromisso na sociabilidade familiar, uma vez que os pais acumulam expectativas frustradas no ambiente do trabalho, e, sobretudo, a ampliação do sentimento de deriva num mundo enxergado e percebido como cada vez mais hostil.

Na Europa, também são abundantes os estudos de psicologia e sociologia do trabalho que descrevem as consequências corrosivas do processo de flexibilização das relações de trabalho no tecido social. A obra “O Novo Espírito do Capitalismo” dos sociólogos franceses Luc Boltanski e Ève Chiapello ainda é uma importante referência dos estragos sociais provocados pela flexibilização. O aumento de indicadores “anomia” ou “desagregação dos elos sociais” é um efeito recorrente da nova configuração flexível do trabalho: aumento de casos de dificuldade de sociabilidade, isolamento pessoal e depressão, e aumento das taxas de suicídio.   

Concretamente, as experiências corrosivas nas relações de trabalho nas sociedades europeias e do Atlântico Norte, vivenciadas desde a década de 1980, frustram e refutam as expectativas e promessas de bem-estar daqueles que justificam a necessidade de flexibilização das relações de trabalho. O que a experiência europeia e estadunidense tem nos ensinado é a imoralidade de se propor reformas desse tipo sem um mínimo de reflexividade sobre as reais perdas e ganhos de tais mudanças organizacionais.


 No Brasil, as experiências de sofrimento emocional, provocadas pela flexibilização das relações de trabalho, deveriam ser consideradas em toda e qualquer proposta governamental de ampliação dos dispositivos que regulamentam as práticas de flexibilização das relações de trabalho, a exemplo da terceirização de atividades “meios” e “fins”. Ignorar totalmente essas experiências negativas da flexibilização nas sociedades europeias e nos EUA é uma atitude ideológica e irresponsável para com o bem comum coletivo da população brasileira. Quando ministros de estado resolvem apresentar agendas de reformas, sem o devido debate público qualificado com a sociedade em torno dos seus impasses e contradições, mostram a sua face mais autoritária e antidemocrática. Sem nenhuma vergonha ou senso republicano, Temer e seus ministros apenas informam a sociedade brasileira sobre seus atos de governo. Atos de governo com sérias consequências nas vidas de milhões de brasileiros. 

quinta-feira, 12 de maio de 2016

TEMER E O SEQUESTRO DO ESTADO DE DIREITO PLURIÉTNICO BRASILEIRO



Nas democracias liberais uma importante condição de legitimidade social dos governos é o sentimento republicano compartilhado de representação política dos membros de sua comunidade societária. No Brasil, uma sociedade caracterizada pela crescente pluralização cultural e étnica, negligenciar a dimensão da diversidade pode ampliar ainda mais o sentimento coletivo de ilegitimidade do poder político. O governo Temer que se inicia hoje parece ignorar completamente a configuração multicultural da sociedade brasileira. Em seu primeiro ato como governante do executivo federal, constituiu sua equipe ministerial, formada exclusivamente por homens, velhos e brancos. Com esse primeiro gesto, Temer ratificou publicamente a interdição de mulheres, negros, jovens e demais grupos pluriculturais ao espaço de decisão pública do país. E ao extinguir a secretaria nacional das mulheres e da igualdade racial, invisibilizou ou secundarizou as demandas de justiça da política da diferença no Brasil.

E como bem colocado pelo filósofo político estadunidense Michael Sandel, não se pode exigir o compromisso cívico de cidadãos e cidadãs que não se reconhecem como membros integrados de uma comunidade política. Décadas atrás, outro intelectual liberal estadunidense, o sociólogo Talcott Parsons, expressava opinião semelhante sobre as condições de integração social dos negros na sociedade do Atlântico Norte. Negar o direito de participação com status de membros (mulheres, LGBTI, jovens, negros, índios) da comunidade política inviabiliza o sentimento de comunhão nacional. E não adianta recorrer ao artificio performático de sensibilização “nacionalista” pelo chamado marqueteiro de “ordem e progresso”. Não se forjam sentimentos de comunhão nacional nesses termos. Principalmente numa das sociedades mais pluriculturais e interculturais do planeta.


Em seu primeiro dia de governante, Temer, o jurista e constitucionalista, “suprimiu” publicamente um dos bens de civilização mais elevados da Constituição Federal de 1988: o reconhecimento do Estado brasileiro como Estado de Direito Pluriétnico.       

quarta-feira, 11 de maio de 2016

RAiZ POTiGUAR OU COMO SE DEVE AGIR PARA PODER SER


Uma vida sem fala e sem ação é literalmente morta para o mundo
Hannah Arendt in A condição humana



Tem se ampliando na última década a compreensão compartilhada de que precisamos repensar nossa forma de se relacionar com a política. Principalmente a medida que cresce o entendimento sobre a diversidade de modos de vida e de aspirações de autorrealização. Na nova configuração multicultural das sociedades, não é mais possível insistir numa visão de mundo homogênea e individualista que nega a diversidade social. Isso porque nossa compreensão de quem nós somos envolve sempre uma relação de alteridade. Nossa identidade é construída em diálogo permanente com outros (humanos, animais, meio ambiente, tecnologias). Não por acaso, essa compreensão dialógica e comunitária do ser e da vida recebeu diferentes articulações nas sociedades humanas. Na cultura ocidental, articulamos o termo zoo politikon (animal político) para expressar a nossa condição de seres irredutivelmente "sociais", isto é, cuja própria existência se realiza na interação comunitária. Também nas culturas africanas, encontramos simetria de significado na expressão Ubuntu (Sou o que sou porque nós somos). 

No contexto da política moderna, no entanto, ela parece ter sido esquecida ou secundarizada por uma outra compreensão do sentido da política, mais identificada com a “gestão econômica da vida”. A consequência (política) foi a difusão e hegemonia de uma racionalidade econômica que nega ou coloniza a vida, estreitando o horizonte de possibilidades do futuro. Contra esse empobrecimento da política contemporânea se faz necessário um retorno às raízes dos seus sentidos clássicos. Sobretudo, para reaprender a fomentar a prática política como ratificação da compreensão comunitária do “ser” e da vida. 

É essa a fonte moral e espiritual que fundamenta a RAiZ POTiGUAR: O projeto de construção coletiva de uma política da vida comunitária. Onde bens sociais como liberdade, autonomia, justiça, igualdade e autenticidade são percebidos como “bens de civilização”, portanto, aspirações legítimas de todas as formas de vida (étnicas, raciais, religiosas, sexuais e de gênero).

Neste mesmo dia em que a coruja de Minerva se prepara para alçar mais uma vez o seu voo após o crepúsculo da velha política brasileira, a RAiZ POTiGUAR também inicia a sua inserção na esfera pública do Rio Grande do Norte.Seu paradigma não é o da "política daquilo que era", mas o da "política daquilo que faz". 

*Imagem publicada originalmente aqui