No Brasil, conforme
literatura especializada, a precariedade do trabalho sempre fez parte da rotina
de vida de milhares de trabalhadores das classes populares (mudança de empregos
ao longo da trajetória de vida, salários baixos e relações de exploração da
força de trabalho). Condições precárias nos mercados de trabalho que deixam
feridas e marcas significativas na estrutura de personalidade das trabalhadoras
e trabalhadores. Além da condição de vulnerabilidade e insegurança no emprego,
também é comum a dificuldade de se constituir um “sentido de narrativa
biográfica” coerente, somente possível em circunstâncias em que somos capazes
de nos projetar no futuro, isto é, de se imaginar em determinado “lugar” depois
de 30 anos de trabalho. Com a eliminação da experiência da rotina no trabalho,
consequência da crescente flexibilização, se torna mais difícil a articulação
de uma narrativa biográfica e, com efeito, se cria um contexto institucional gerador
e ativador de sentimentos de insegurança, baixa autoestima, desconfiança e má
consciência.
Como se sabe, uma das
faces da precariedade das relações de trabalho é a terceirização. E são muitos
os efeitos negativos da terceirização na vida das trabalhadoras e trabalhadores. Além de gerar
um contexto objetivo de vulnerabilidade e alta rotatividade no emprego, como já assinalado, também resultam
na ampliação da experiência de perda de sentido de narrativa. Pelo menos é isso
o que tem demonstrado muitas pesquisas empíricas desenvolvidas sobre as
consequências emocionais do processo de crescente flexibilização das relações
de trabalho.
Nos EUA, por exemplo, os
trabalhos desenvolvidos pelo sociólogo Richard Sennett tem apresentado uma radiografia
sombria das experiências pessoais de trabalhadores e trabalhadoras que vivenciaram as
transformações na organização interna do trabalho desde os anos 80 do século XX. Além da dificuldade de
constituir uma narrativa de vida, também a impossibilidade de estabelecer
relações de confiança no contexto do trabalho, fragilidade dos laços de
compromisso na sociabilidade familiar, uma vez que os pais acumulam
expectativas frustradas no ambiente do trabalho, e, sobretudo, a ampliação do
sentimento de deriva num mundo enxergado e percebido como cada vez mais hostil.
Na Europa, também são
abundantes os estudos de psicologia e sociologia do trabalho que descrevem as
consequências corrosivas do processo de flexibilização das relações de trabalho
no tecido social. A obra “O Novo Espírito do Capitalismo” dos sociólogos franceses
Luc Boltanski e Ève Chiapello ainda é uma importante referência dos estragos
sociais provocados pela flexibilização. O aumento de
indicadores “anomia” ou “desagregação dos elos sociais” é um efeito recorrente
da nova configuração flexível do trabalho: aumento de casos de dificuldade de
sociabilidade, isolamento pessoal e depressão, e aumento das taxas de suicídio.
Concretamente, as
experiências corrosivas nas relações de trabalho nas sociedades europeias e do
Atlântico Norte, vivenciadas desde a década de 1980, frustram e refutam as expectativas
e promessas de bem-estar daqueles que justificam a necessidade de
flexibilização das relações de trabalho. O que a experiência europeia e
estadunidense tem nos ensinado é a imoralidade de se propor reformas
desse tipo sem um mínimo de reflexividade sobre as reais perdas e ganhos de
tais mudanças organizacionais.
No Brasil, as experiências de sofrimento
emocional, provocadas pela flexibilização das relações de trabalho, deveriam
ser consideradas em toda e qualquer proposta governamental de ampliação dos
dispositivos que regulamentam as práticas de flexibilização das relações de
trabalho, a exemplo da terceirização de atividades “meios” e “fins”. Ignorar
totalmente essas experiências negativas da flexibilização nas sociedades
europeias e nos EUA é uma atitude ideológica e irresponsável para com o bem
comum coletivo da população brasileira. Quando ministros de estado resolvem
apresentar agendas de reformas, sem o devido debate público qualificado com a sociedade em
torno dos seus impasses e contradições, mostram a sua face mais
autoritária e antidemocrática. Sem nenhuma vergonha ou senso republicano, Temer
e seus ministros apenas informam a sociedade brasileira sobre seus atos de
governo. Atos de governo com sérias consequências nas vidas de milhões de
brasileiros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário