sábado, 14 de maio de 2016

OS RISCOS CIVILIZATÓRIOS DA FLEXIBILIZAÇÃO E TERCEIRIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL

No Brasil, conforme literatura especializada, a precariedade do trabalho sempre fez parte da rotina de vida de milhares de trabalhadores das classes populares (mudança de empregos ao longo da trajetória de vida, salários baixos e relações de exploração da força de trabalho). Condições precárias nos mercados de trabalho que deixam feridas e marcas significativas na estrutura de personalidade das trabalhadoras e trabalhadores. Além da condição de vulnerabilidade e insegurança no emprego, também é comum a dificuldade de se constituir um “sentido de narrativa biográfica” coerente, somente possível em circunstâncias em que somos capazes de nos projetar no futuro, isto é, de se imaginar em determinado “lugar” depois de 30 anos de trabalho. Com a eliminação da experiência da rotina no trabalho, consequência da crescente flexibilização, se torna mais difícil a articulação de uma narrativa biográfica e, com efeito, se cria um contexto institucional gerador e ativador de sentimentos de insegurança, baixa autoestima, desconfiança e má consciência.

Como se sabe, uma das faces da precariedade das relações de trabalho é a terceirização. E são muitos os efeitos negativos da terceirização na vida das trabalhadoras e trabalhadores. Além de gerar um contexto objetivo de vulnerabilidade e alta rotatividade no emprego, como já assinalado, também resultam na ampliação da experiência de perda de sentido de narrativa. Pelo menos é isso o que tem demonstrado muitas pesquisas empíricas desenvolvidas sobre as consequências emocionais do processo de crescente flexibilização das relações de trabalho.

Nos EUA, por exemplo, os trabalhos desenvolvidos pelo sociólogo Richard Sennett tem apresentado uma radiografia sombria das experiências pessoais de trabalhadores e trabalhadoras que vivenciaram as transformações na organização interna do trabalho desde os anos 80 do século XX. Além da dificuldade de constituir uma narrativa de vida, também a impossibilidade de estabelecer relações de confiança no contexto do trabalho, fragilidade dos laços de compromisso na sociabilidade familiar, uma vez que os pais acumulam expectativas frustradas no ambiente do trabalho, e, sobretudo, a ampliação do sentimento de deriva num mundo enxergado e percebido como cada vez mais hostil.

Na Europa, também são abundantes os estudos de psicologia e sociologia do trabalho que descrevem as consequências corrosivas do processo de flexibilização das relações de trabalho no tecido social. A obra “O Novo Espírito do Capitalismo” dos sociólogos franceses Luc Boltanski e Ève Chiapello ainda é uma importante referência dos estragos sociais provocados pela flexibilização. O aumento de indicadores “anomia” ou “desagregação dos elos sociais” é um efeito recorrente da nova configuração flexível do trabalho: aumento de casos de dificuldade de sociabilidade, isolamento pessoal e depressão, e aumento das taxas de suicídio.   

Concretamente, as experiências corrosivas nas relações de trabalho nas sociedades europeias e do Atlântico Norte, vivenciadas desde a década de 1980, frustram e refutam as expectativas e promessas de bem-estar daqueles que justificam a necessidade de flexibilização das relações de trabalho. O que a experiência europeia e estadunidense tem nos ensinado é a imoralidade de se propor reformas desse tipo sem um mínimo de reflexividade sobre as reais perdas e ganhos de tais mudanças organizacionais.


 No Brasil, as experiências de sofrimento emocional, provocadas pela flexibilização das relações de trabalho, deveriam ser consideradas em toda e qualquer proposta governamental de ampliação dos dispositivos que regulamentam as práticas de flexibilização das relações de trabalho, a exemplo da terceirização de atividades “meios” e “fins”. Ignorar totalmente essas experiências negativas da flexibilização nas sociedades europeias e nos EUA é uma atitude ideológica e irresponsável para com o bem comum coletivo da população brasileira. Quando ministros de estado resolvem apresentar agendas de reformas, sem o devido debate público qualificado com a sociedade em torno dos seus impasses e contradições, mostram a sua face mais autoritária e antidemocrática. Sem nenhuma vergonha ou senso republicano, Temer e seus ministros apenas informam a sociedade brasileira sobre seus atos de governo. Atos de governo com sérias consequências nas vidas de milhões de brasileiros. 

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